A Garça
- Monteiro Lobato
- 10 de jun. de 2015
- 2 min de leitura

“Certa garça nascera, crescera e sempre vivera à margem duma lagoa de águas turvas, muito rica em peixes. Mas o tempo corria e ela envelhecia. Seus músculos cada vez mais emperrados, os olhos cansados – com que dificuldade ela pescava! – Estou mal de sorte, e se não topo com um viveiro de peixes em águas bem límpidas, certamente que morrerei de fome. Já se foi o tempo feliz em que meus olhos penetrantes zombavam do turvo desta lagoa… E de pé num pé só, o longo bico pendurado, pôs-se a matutar naquilo até que lhe ocorreu uma idéia. – Caranguejo, venha cá ! – disse ela a um caranguejo que tomava sol à porta do seu buraco. – Às ordens. Que deseja? – Avisar a você duma coisa muito séria. A nossa lagoa está condenada. O dono das terras anda a convidar os vizinhos para assistirem ao seu esvaziamento e o ajudarem a apanhar a peixaria toda. Veja que desgraça! Não vai escapar nem um miserável guaru. O caranguejo arrepiou-se com a má notícia. Entrou na água e foi contá-la aos peixes. Grande rebuliço. Graúdos e pequeninos, todos começaram a pererecar às tontas, sem saberem como agir. E vieram para a beira d’água. – Senhora dona do bico longo, dê-nos um conselho, por favor, que nos livre da grande calamidade. – Um conselho? E a matreira fingiu refletir. Depois respondeu. – Só vejo um caminho. É mudarem-se todos para o poço da Pedra Branca. – Mudar-se como, se não há ligação entre a lagoa e o poço? – Isso é o de menos. Cá estou eu para resolver a dificuldade. Transporto a peixaria inteira no meu bico. Não havendo outro remédio, aceitaram os peixes aquele alvitre – e a garça os mudou a todos para o tal poço, que era um tanque de pedra, pequenininho, de águas sempre límpidas e onde ela sossegadamente poderia pescá-los até o fim da vida. Moral da Estória: Ninguém acredita em conselho de inimigo.”
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